Chocofest

Não sabia quanto tempo havia incidido desde que tinha partido do acampamento. O sentimento que assolava meu peito ao adentrar o chalé de Hades era de nostalgia. Franzi o cenho, ainda que parada entre a porta aberta, encarando ao recinto buscando aquela sensação de volta ao lar. Entretanto esta não veio provocando um longo suspiro, aquele já não era mais meu “lar doce lar”. Os primeiros passos foram silenciosos e lentos, meus olhos já acostumados com a escuridão vislumbravam a tudo, absorvendo aquele recanto que me recebera de tantas formas. Lembranças invadiam a minha mente sem permissão, imagens que me faziam sorrir com certas saudades. Como quando chegava em uma missão cansada ou machucada, ou da reação de meus irmãos quando encontravam Viper, minha serpente de duas cabeças. Aquele havia sido um bom lugar para mim, mas o vínculo havia se completado. Eu não dependia mais dele.

Desci as escadas escutando o som de minhas botas na madeira repercutindo por todo o ambiente. Sempre silencioso, sempre macabro, esse era o confortável chalé de Hades. Para nós, filhos do senhor dos mortos, aquilo era aconchegante. Ao menos assim pensava que o era para a maioria. Ao abrir a porta uma montanha de pelos saltou sobre mim, derrubando-me no chão. Uma risada baixa escapou de meus lábios, era tão estranho minha garganta produzir aquele som que este saíra abafado e rouco. Sentei melhor no chão e acariciei ao meu tigre branco, meus dedos relaxando ao sentir aquela maciez peculiar vinda de uma pelugem um tanto quanto mal cuidada.

-Também senti sua falta – murmurava e o abraçava – Está até crescido! Desculpe ter demorado demais dessa vez. E... Winter, você precisa de um banho.

Só de escutar a palavra “banho” o tigre recuou encolhendo os ombros e abaixando a cabeça. Outro riso, mais conciso e bem formado, transbordou de mim com mais naturalidade. Voltei a fazer carinho no meu animal e só depois de um bom tempo decidi tomar um banho. Ao sair, vestia uma roupa que para mim era casual: calça preta, blusa de mangas compridas preta com a estampa de um panda e sem nada a cobrir meus pés. A toalha branca, talvez o único item dessa cor naquele ambiente, foi jogada de qualquer jeito sobre a cama. Porém o tempo em que eu estive debaixo do chuveiro uma agitação se formava no chalé, o que era de fato estranho. Subi novamente as escadas e segurei um irmão, que nem sabia o nome, pelo braço e o puxei para chamar ainda mais a sua atenção?

-O que está acontecendo? – inquiri o fitando friamente, não porque quisesse, porém este era o meu natural desde que havia me tornado uma Coração de Gelo.

-Ah... Er... – ele ficou sem jeito – Uma festa no anfiteatro e...

-Já basta – o cortei e soltei.

Dei-lhe as costas e desci novamente as escadas. Quando meu pai se tornara um reprodutor? Ainda lembrava-me do chalé quando vazio, em um silêncio absoluto e com a escuridão abraçando-me como um manto reconfortante. Apenas eu e Viper. As coisas haviam mudado desde que havia partido com os Corações. Porém, talvez a coisa que estivesse mais diferente ali fosse eu. Quando retornei ao quarto joguei-me na cama e logo fui acompanhada por Winter, apesar de seu tamanho já aumentado, um jovem tigre, ele cabia perfeitamente ao meu lado aquecendo o meu corpo. Respirei fundo e minha mente divagou novamente por memórias de uma época que agora parecia pertencer a uma época distante.

-Será que todos os outros estão lá? – perguntei suavemente para Winter.

Ele apenas ronronou como o bom gatinho manhoso que ele era. Sorri de lado e sentei na cama. Não custava nada dar uma passada e comer alguma coisa antes de desabar na cama e adormecer naquela eterna escuridão de meu quarto. Sentei na cama e puxei de debaixo desta um par de botas e as calcei rapidamente. Não me arrumaria, não pretendia perdurar a minha estadia naquela festa.

Ao sair vi alguns campistas andando em grupo em direção ao anfiteatro. Espreguicei-me e pisquei um pouco tentando acostumar a minha visão a nova luminosidade. Segui os grupos sem me importar em estar sozinha, minhas mãos dentro do bolso da calça, meu jeito um pouco desleixado. Afinal o acampamento era um dos raros locais no mundo em que eu poderia realmente relaxar. Quando cheguei não tardei a ver alguns rostos conhecidos, mas em sua maioria os semideuses eram novos. O que me fazia questionar se havia passado tanto tempo assim desde que tinha saído daquele terreno. Dei de ombros e com passos largos caminhei até o primeiro lugar que pudesse encontrar comida e não apenas doces de chocolate. Fui até o centro, peguei um pedaço generoso de bolo – de chocolate – e me afastei para o recanto mais frio daquela festa onde ficavam os chocolates que precisavam de uma temperatura mais gélida. Havia uma mesa ali vazia e sem decoração mais jogada a um canto, provavelmente alguém tinha esquecido-se de guardá-la. Com um impulso suave sentei sobre a madeira e pus um pé na borda ficando de um jeito nada elegante e completamente desleixado.

A música não era de todo desagradável, mas naquele momento tudo o que eu desejava era escutar um bom solo de guitarra e um embalo gostoso de bateria. Dei de ombros, nem toda festa era perfeita para todo mundo, portanto só me restava ficar ali comendo o bolo de uma maneira até delicada e observando aqueles adolescentes se divertindo e aproveitando. Mais uma vez aquele sentimento preencheu meu peito. Nostalgia.

♦ The White Swan ♦ @ CG